quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Obama e o caos da saúde pública americana

Novos tempos nos EUA e grandes problemas a serem resolvidos pelo líder Barak Obama.
Um deles com certeza será como resolver o caos em que se encontra a saúde pública dos Estados Unidos, especialmente em tempos de crise e recessão econômica em que os recursos estarão escassos para qualquer tipo de investimento.

A missão de Obama torna-se mais difícil em função da esperança depositada pelo povo americano, sofrido com as involuções econômicas e com a perda do brilho e status de seu país como grande potência até então imune as crises mundiais.

Mas os problemas de saúde pública dos Estados Unidos já não são de hoje e vem sofrendo um grande processo de sucateamento em função dos investimentos e do forte crescimento dos serviços privados de saúde. Segundo a Commonwealth Fund Foundation, os Estados Unidos gastam em saúde duas vezes mais por habitante que os outros grandes países industrializados, e os custos continuam aumentando mais rápido que a renda.

Há muita corrupção dos planos e seguros de saúde e os serviços, que estão cada vez mais especializados e caros, limitam o acesso à parcela da população que tem como investir no setor privado ou tirar do bolso para conseguir realizar seus exames e tratamentos.

Nesse momento é que o Brasil dá um banho nos EUA, sobretudo na forma como as políticas e programas de saúde são pensados e executados. Mesmo com todas as nossas dificuldades por aqui, a maior parcela da população utiliza os serviços do SUS para contemplar suas demandas de saúde sob princípios de universalidade de acesso, fato difícil de vermos na terra do Tio Sam.
Nos EUA também vemos unidades de saúde e serviços de emergência lotadas, filas de espera para realização de exames e procedimentos, pacientes largados na porta de hospitais e o drama de famílias inteiras desesperadas por não terem condições de pagarem os tratamentos que são caros e inexistentes nos serviços públicos de saúde.

Para conferir o que digo, basta assistir o filme-documentário Sicko - $O$ Saúde, feito pelo habilidoso Michael Moore e estreado no Brasil em 7 de março do ano passado, trazendo muitíssimo bem retratado o panorama da saúde nos EUA.

O presidente Barack Obama tem muitas frentes e batalhas a combater e terá que colocar a saúde pública dos EUA na sua lista de prioridades. Para isso, terá qu e apresentar um projeto grandioso e transformador, que mude o centro do modelo médico hegemônico americano que é essencialmente privatista e traga benefícios e oportunidades às camadas mais carentes para acesso a serviços.

Isso com certeza significará para Obama a confrontação de idéias com líderes conservadores, birgas internas com as grandes empresas e corporações que financiam e lucram com o mercado saúde, fatos que poderão por à prova a sua força e o seu governo.

Investir em serviços básicos de saúde, fortalecer as ações preventivas primárias e ampliar a capacidade de serviços públicos de maior complexidade poderá ser uma das alternativas para mudança desse cenário. Entretanto, vale lembrar que durante a campanha para presidente, a pedra fundamental da plataforma de Obama para a saúde pública nacional envolvia organizar um sistema nacional de registros médicos computadorizados, o que é positivo por um lado, mas não resolve os problemas dos cidadão que precisam dos serviços públicos para sanar seus problemas de saúde. (veja a adenda de saúde de Obama aqui - inglês)

Copiar ou importar modelos de outros países também poderá ser uma grande furada.

Será preciso entender ainda que para se cuidar de uma dor de barriga nem sempre é preciso fazer um ultrassonografia, assim como para uma dor de cabeça nem sempre precisamos recorrer a tomógrafos ou ressonâncias e assim agradar os empresários da saúde. Essas são apenas "realidades" dos seriados ER (Plantão médico) ou Dr. House.

Mas, como disse o próprio Obama, "the change came to América". Aguardemos.

O bar da pílula


Cada dia as pessoas se superam.
Depois de ver profissionais colocarem a culpa nos pacientes que não melhoravam, de ler sobre o Barco do aborto, do restaurante do ataque cardíaco, eis que vem agora o bar da pílula.

A Anvisa multou na semana passada, em R$ 300,00, o Bar QG, um bar badalado de Maceió freqüentado por jovens e estudantes, pois ele trazia no seu cardápio a oferta de anticoncepcionais, pílulas do dia seguinte para os seus frequentadores. E não parou por aí. De quebra, lucrava ainda coma venda de outras drogas, também disponíveis no seu cardápio como analgésicos e antiácidos.

Essa notícia foi veiculada por alguns sites da net (veja aqui), na Isto É e na Folha de São Paulo.

O propietário ainda afirmou que a situação não passou de uma brincadeira com seus garçons e que vai recorrer da decisão da Anvisa.

Agora vejam. Os canais de comunicação veiculam as notícias e não estimulam o senso crítico das pessoas chamando atenção para as reais preocupações que a situação impõe, que são o uso indevido de medicamentos, inclusive associados ao álcool, a banalização da pílula do dia seguinte, o incentivo indireto a prática de relações sem o uso de preservativos (sendo por isso necessário lançar mão da anticoncepção), a exposição das mulheres a doses hormonais elevadas que complicam seus ciclos menstruais e ainda da venda insdiscriminada de medicamentos sem qualquer monitoramento ou fiscalização dos órgãos competentes.

São atitudes que vão na contramão do que se propõe como política de saúde para prevenção de agravos, para o controle da transmissão do HIV, para a redução do índice de gestações indesejadas e até na adolescência, para a banalização do uso de drogas sem orientação médica com riscos de complicação e até auxiliando na difusão de doenças sexualmente transmissíveis, pois, na medida em que o sujeito não se preocupa com uma possível gravidez, dada a disponibilidade das pílulas, termina por praticar sexo sem segurança, sem o uso de preservativos. Fatos que só colaboram para incrementar negativamente números que lutamos por reduzir.

Chego a pensar que vale mais a pena abrir um buteco para vender medicamentos. Pelos menos, terão a certeza de haver público e consumidores periodicamente (e quem sabe transformar as farmácias em bar??? ahhhh esquece!)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Check-up faz mal ao SUS

Meses de dezembro a março: esse é o grande período de concentração de pessoas em consultórios e clínicas de saúde. As pessoas aproveitam o seu tempo livre nas férias para realizar o que chamam de check-up, terminologia americana que fora utilizada nos anos 50 num dos programas espaciais ianque, em que os astronautas tinham de se submeter a uma bateria de exames para evitar complicações durante o lançamento e na sua estadia fora dos confins do nosso planeta.

Nos anos 80, a idéia dos check-ups ganha força através do lobby realizado pelas empresas da saúde. Vislumbraram na época a grande oportunidade de fazer mercado com a necessidade de saúde da população e passaram a trabalhar então sob duas frentes: no desenvolvimento de tecnologias diagnósticas cada vez mais especializadas e menos agressivas e invasivas, e do outro lado, a difundir a necessidade de realização de exames periodicamente, como estratégia de prevenção e promoção da saúde, sobretudo na classe médica e nos serviços privados de saúde.

Como aqui no Brasil pouco se cria e muito se copia, e some a isso o encantamento da população às tendências dos grandes centros mundiais, nosso país não poderia ficar de fora dessa onda mercantilista da saúde no cenário mundial. Eis que os nossos compraram e também difundiram a idéia da realização dos check-ups como uma das estratégias mais interessantes para realizar prevenção em saúde, claramente uma visão do modelo médico privatista.

Os brasileiros, indepente da sua classe social e da acessibilidade que possuem a bens e serviços, passam a frequentar clínicas e unidades de saúde direcionando e até exigindo dos profissionais a bateria de exames que dá corpo aos check-ups. Algumas pessoas passaram inclusive a rotular negativamente profissionais médicos que, ao final da consulta, não lhes forneciam as tão desejadas "guias para realização de exames".

Fala-se até em check-ups básicos, completos e até personalizados.

Para uns, mais abastados e com disponibilidade de planos de saúde de boas coberturas, a realização dos exames flui de forma simples e provavelmente sanará as duvidas até então instaladas quanto ao atual quadro de saúde desses indivíduos. Porém, para outros, que representam a maior parcela da população e não possuem recursos e acesso a serviços com tecnoligias de ponta, terminam por cobrar do Sistema Único de Saúde uma resposta semelhante a vivida nos serviços privados, posturas totalmente avessas à logica do sistema e a forma como ele é pensado, gerido e executado.

Os prórpios profissionais, por vezes descontentes com a falta de suporte e de capacidade instalada para execução de suas atividades, por vezes boicotam o sistema incluindo a lógica dos check-ups numa rede em que se preconiza a adscrição de clientela, conhecimento do território e atuação in loco, correspondente às necessidades de saúde conforme elas se apresentam. Isso está muito claro e bem formatado nos objetivos do programa de saúde da família, por exemplo. O grande equívoco é a população continuar sem entender como essa rede funciona e manter profissionais que alimentam uma lógica organizacional paralela e concorrente aos princípios do SUS.

Dessa forma, o SUS de qualque lugar não consegue dar conta às demandas. São desferidas solicitações de exames indiscriminadamente, tudo porque "usuário satisfeito é aquele que sai com sual solicitação de exame nas mãos". Para queixas de dores de cabeça, tomografias, dores na coluna, ressonâncias, queixas de dores articulares, raios-x, dores estomacais, endoscopias e quanto mais complexo o procedimento, melhor. Por vezes, medidas sanitárias e de educação em saúde são suficientes e mais direcionadas para resolução de problemas dos indivíduos de várias comunidades, mas...

É duro ver pessoas carentes terem que se expor e até se humilhar, procurando meios os mais diversos possíveis para realização de exames e procedimentos que atendem à lógica dos check-ups, mas não levam em conta o social e as prioridades dos indivíduos e de uma população.
Por isso que um dos princípios do SUS é a equidade e é realmente necessário tratar de forma desigual os desiguais, direcionando mais atenção e suporte para aqueles que têm mais necessidades.

Tenho a convicção de que fazer check-up é ótimo. A possibilidade de se monitorar ou de descobrir alguma patologia ainda em estágio inicial traz alento e conforto àqueles que têm essa possibilidade. Mas, também tenho a certeza que essa é uma linha de pensamento que vai de encontro às prerrogativas do SUS e não traz possibilidade de acesso a todos.

Sob pena de não ver seus programas sucumbirem diante dessa lógica de mercado, aqueles que fazem o Sistema Único de Saúde precisam oferecer serviços mais qualificados aos seus usuários, necessita que estes acreditem no potencial de suas ações e que invistam nos profissionais, para ao inves de serem concorrentes, serem parceiros dessa proposta. Caso contrário, prevalecerá a lógica do mercado, prevalecerá a lógica dos check-ups nos serviços públicos de saúde e constituirá sempre uma grande barreira a consolidação do SUS.