sábado, 19 de abril de 2008

Utilidade pública - Enfermeiros em Angola

Recebemos o seguinte e-mail:


Será realizada seleção para início do trabalho no segundo semestre de 2008 de enfermeiros para trabalharem no projeto de saúde pública em Huambo, província de Angola.

É uma desejável experiência em saúde pública, saúde da família, PACS, treinamento e trabalho de campo.

Os salários e ajuda de custo são de US$ 4.500 (quatro mil e quinhentos dólares), retorno ao Brasil a cada 3 meses por 15 dias, com passagens pagas.

Interessados enviar currículos para o e-mail: enfermeiroangola@uol.com.br

Zanetta

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Lendo e opinando...

Bem, acho que já temos alguns textos suficientes para leitura e podermos fazer discussões.
Aguardamos as opiniões de vocês.

Lembrete: O blog é moderado. Não publicaremos material ofensivo dos post e coments, ok!

Abraço a todos

Relações de poder e suas interferências no processo de trabalho de Equipes de Saúde da Família - breves considerações

Wagner Alves

O poder é expresso através das diversas relações sociais e na medida em que existem relações de poder, existe política. Essa política pode ser expressa sob diversos prismas do poder, não devendo, sobretudo, analisá-la somente sob a ótica das relações de poder ligadas ao campo institucional do Estado, o que poderia culminar em redundância ou simplificação ao que essa análise pretende. Tratando-se aqui das relações poder ligadas ao processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família (PSF), é preciso ter em foco que a relações de poder estabelecer-se-ão tanto por uma via verticalizada, demonstrando o poder institucionalizado e a força do Estado nas suas três esferas governamentais, quanto nas relações de poder de perspectiva mais ampla, e não menos importante, que são as de dimensão social, dadas no cotidiano do trabalho das equipes e das relações estabelecidas com seus pares.


Reiterando a proposição anterior e numa tentativa de ilustrá-la pode-se recorrer inicialmente a Max Weber, donde o mesmo afirmou em suas produções textuais que a política não se restringe ao campo institucional estatal, ela permeia outras atividades da vida cotidiana. Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber chegou a afirmar que “hoje, nossas reflexões não se baseiam, decerto, num conceito tão amplo. Queremos compreender como política apenas a liderança, ou a influência sobre a liderança, de uma associação política, e, daí hoje, de um Estado” (WEBER, 2001, p. 97), fato que demonstra que as discussões em torno da conformação do Estado e das relações entre os seres, foram todas permeadas pela exposição de poder e política, situações que ainda nos dias atuais não fogem à regra.

Outro grande que ainda ilustra o tema poder e rompe com as perspectivas clássicas do termo é Michel Foucault. Diferente de Max Weber, Foucault trata o tema poder irrompendo as perspectivas clássicas de análise como dito anteriormente e afirma que o poder não pode ser localizado numa instituição ou no Estado, de forma que não seria poderia ser possível “tomá-lo” como era o pensamento marxista. Foucault em suas obras, sobretudo no livro Microfísica do Poder de (1998), afirma ser o poder uma relação de forças, e como relação, estará em todas as partes, atravessará pessoas, não podendo ser considerado (o poder) independente delas. O poder não se limita a aspectos institucionais e organizacionais e a formas econômicas, relações de classe, status, prestígio ou desempenho de papéis sociais; ele está presente em todas as relações na rua, na família, nas relações afetivas ou de amizade, não somente reprimindo e destruindo o outro, mas também produzindo efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades. (FOUCAULT, 1998).

Seguindo as linhas de raciocínio apresentadas, podemos recorrer à história da conformação das políticas públicas de saúde no Brasil e entender que as “verdades constituídas, práticas e subjetividades” (FOUCAULT, 1998) intrínsecas às propostas de mudança de modelos de atenção à saúde, todas foram construídas sob disputas dos movimentos sociais, grupos hegemônicos e da exposição da força do Estado. Franco e Merhy (2003), numa de suas produções que analisam o Programa de Saúde da Família e as contradições de sua proposta enquanto modelo tecnoassistencial, afirmaram que “do jogo de pressão e disputas cria-se uma dada ‘correlação de forças’ que define a política de saúde, muitas vezes na forma de um amálgama, combinando interesses diversificados”. Na mesma produção ambos ainda citam que as produções dos modelos para saúde dão-se através das disputas de projetos por grupos e movimentos sociais, prevalecendo aí o jogo de forças que faz com que as políticas de saúde favoreçam ou não determinados agrupamentos e interesses. (FRANCO & MERHY, 2003).

A própria existência do Programa Saúde da Família, suas propostas e constituição, deve-se às pressões exercidas pelos movimentos reformistas que aconteceram no Brasil na década de 70 e 80, na tentativa de mudança do modelo assistencial clientelista e médico-centrado que limitava o acesso de milhões de usuários a serviços além de equivocadamente direcionar o sistema de saúde sob perspectivas mercadológicas excludentes.

Porém, a simples conformação de uma nova proposta com a eleição de um novo projeto a ser posto em prática não garante (nem garantiu até os dias atuais) a efetiva mudança do modelo de atenção, uma vez que diversas forças e projetos não foram seduzidos à nova proposta em questão, permanecendo aí o conflito, a disputa de poder e espaço por esses atores e agrupamentos. Franco e Merhy corroboram a idéia quando afirma que “não é a mudança da forma ou estrutura de um modelo medicocêntrico para outro, equipe multiprofissional centrado como núcleo da prestação de serviços, que por si só garante uma nova lógica finalística na organização do trabalho. É preciso mudar os sujeitos que se colocam como protagonistas de um novo modelo de assistência. É necessário associar tanto novos conhecimentos técnicos, novas configurações tecnológicas do trabalho em saúde, bem como outra micropolítica para este trabalho, inclusive no terreno de uma nova ética que o conduza.” (FRANCO & MERHY, 2003).
Pensando-se aqui no processo de trabalho das equipes de saúde da família, percebe-se que podemos ter exercida sob esse espaço a exposição de forças as mais distintas possíveis. Elas podem ser exercidas de forma verticalizada pelos órgãos de controle e gestão governamentais, podem acontecer pela disputa de projetos de grupos anti-hegemônicos e opositores, pelos membros da comunidade a quem se destina o trabalho de determinada equipe (satisfeitos ou não com o que é produzido pela equipe de saúde) ou ainda na própria estrutura da equipe entre os seus membros formadores, por disputas de projetos pessoais sob óticas e pontos de vistas diferenciados.

O enfraquecimento do processo de trabalho pela tentativa de tentar prevalecer os projetos dos distintos atores que compõe as equipes, sem citar as relações de poder externas que também influenciam esse espaço, terminam por não permitir a mudança então proposta e delineada nas políticas públicas então vigentes além de interferir na produção do cuidado gerado pelas equipes. Por não conseguir consensuar seus pontos de vistas, prevalece a prática do um auto-governo no seio das equipes de saúde, todas elas operando sob práticas e objetivos distintos ainda que dentro de um mesmo espaço e direcionados a um mesmo território.

Um trabalho realizado em instituições hospitalares por Souza e Lisboa (2001) que analisou a hierarquia e as relações de poder no trabalho das enfermeiras assistenciais, plenamente adaptável à perspectiva não-hospitalar do trabalho em saúde dada a semelhança da temática, conclui que muitos são os determinantes que tornam as relações de poder complexas e conflituosas no espaço desses profissionais como: a história de vida e as características pessoais, as características da formação acadêmica e da capacitação profissional, a contextualização histórica que permeia cada profissão que atua neste espaço, a vivência profissional e as características da organização do trabalho, bastante rígidas na maioria das vezes. Continuam ainda ressaltando que o relevante é levantar a totalidade que envolve a problemática, para a partir daí, pinçar determinantes que quantitativa e qualitativamente conduzam a transformações desse quadro difícil para essas enfermeiras. Evidenciou-se então que o universo de trabalho dessas enfermeiras (o campo hospitalar – não muito diferente das relações dos serviços em unidades de saúde básicas) é marcado por fortes relações de poder, em que se observam medições de força no sentido de caracterizar qual é a categoria profissional que se encontra em posição de destaque e prestígio nesse espaço. “A disputa é acirrada, haja vista a multiplicidade de profissionais da saúde que se inserem no trabalho hospitalar, todos com formações diversificadas, com desejos e aspirações profissionais e pessoais diversas, dessa forma, este é um campo complicado, o campo das relações de poder. Verificou-se, (...) que as relações com as diversas áreas acadêmicas são difíceis, pois existe o aspecto da valorização que todos buscam, e, dessa necessidade de se destacar, surge a vontade de conquistar a hegemonia no ambiente hospitalar.” (SOUZA, N.V.D e LISBOA, M.T.L., 2001).

Após essas discussões, fica claro que as relações de poder e a tentativa de fazer prevalecer projetos particulares permeiam todo ambiente de trabalho das equipes de saúde da família, e que no exercício da sua aplicabilidade surgem os conflitos pelos diferentes olhares e compreensões do que julgam ser o certo e adequado do fazer em saúde. Assim como dito por Foucault em sua visão positiva, o poder produz práticas, subjetividades e verdades que precisam ser direcionadas a destruir comportamentos e práticas estereotipadas do fazer em saúde e mais do que modificar estruturas, modificar suas referências epistemiológicas.
As relações de poder sempre irão interferir no processo de trabalho das equipes de saúde da família, mas o grande cerne é saber seduzi-las e concentrá-las a uma proposta consensual de mudança, mudança do modelo de atenção médico-centrado, mudança das relações de trabalho e de como ela se opera e mudança no processo de produção do cuidado em saúde.

“Para remodelar a assistência à saúde, o PSF deve modificar os processo de trabalho, fazendo-os operar de forma “tecnologias leves dependentes” mesmo quem para a produção do cuidado sejam necessários o uso das outras tecnologias. (...) a implantação do PSF por si só não significa que o modelo assitencial esteja modificado. Podem haver PSF´s médico-centrados assim como outros usuário-centrados, isso vai depdender de conseguir reciclar a forma de produzir o cuidado em saúde (...) que dizem respeito aos diversos modos de agir dos profissionais em relação entre si e com os usuários.” (FRANCO & MERHY, 2003).

Referências
CAMPOS, G.W.S. Reforma da Reforma: repensando a saúde. HUCITEC, São Paulo, 1992

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

FRANCO, T. B.; MERHY, E.E. PSF: Contradições de um programa destinado a mudança do modelo tecnoassistencial. In O trabalho em Saúde: Olhando e experienciando o SUS no cotidiando, HUCITEC, São Paulo, 2003.

PAIM, Jairnilson Silva. Direito à Saúde, Cidadania e Estado. 8ª Conferência Nacional de Saúde, 1986.

SOUZA, N.V.D.O.; LISBOA, M.T.L. A hierarquia e as relações de poder no trabalho das enfermeiras assistenciais. In http://paginas.terra.com.br/saude/ra/CACT003.htm

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 3a. ed. São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2001

ZANELA, A. V.; FILHO, K.P.; ABELLA, S.I.S. Relações sociais e poder em um contesto grupal: reflexões a partir de uma coletividade específica. Estudos de Psicologia Universidade Federal de Santa Catarina, 2003.


* Wagner Alves é enfermeiro

terça-feira, 15 de abril de 2008

Populações historicamente excluídas e o acesso aos serviços de saúde

Wagner Alves

Para iniciarmos as discussões, é fundamental ter em mente que o acesso à saúde é completamente diferente do acesso aos serviços de saúde. O acesso à saúde deve ser analisado sob prisma da sua concepção mais ampliada, não só da ausência de doença ou da instalação de agravos, mas também, da qualidade dos indicadores sociais, econômicos e políticos presentes em determinado território e que afetam diretamente a qualidade de vida dessas pessoas. Já os serviços de saúde correspondem às ferramentas de um sistema que se propõe regular e organizar as práticas de saúde. São os elementos mais concretos do sistema e configuram o local de contato com o usuário, onde ele despeja suas angústias e problemas e vê a possibilidade de ter resolvido as suas demandas.

A população, de modo geral, tem dificuldade de acessar os locais que concentram serviços de saúde em face da descontinuidade na prestação dos serviços no país, da precariedade de como estão estruturados e de como as políticas de gestão estão sendo aplicadas. A cobertura de PSF nos municípios, por exemplo, numa média geral, está longe de ser a ideal ou preconizada. Os gestores passam insensíveis às necessidades da população e canalizam recursos para serem aplicados em áreas que destoam completamente do que a população precisa, terminando por sucatear o sistema de saúde local e gerando o descontentamento popular.

Pior ainda é a situação das populações historicamente excluídas ou “em situação de exclusão”: indígenas, quilombolas e sem-terras, que além de sofrerem com os desajustamentos do sistema na totalidade, ainda contam com o agravante da marginalização e preconceito que recebem da sociedade, em face de suas lutas pela manutenção de sua identidade étnica e das bandeiras ideológicas que erguem pela garantia de direitos e do exercício da cidadania.

Esses grupamentos, por conta do processo histórico pelo qual vivenciaram, mantêm-se marginais à sociedade, privados de acessar serviços e dos direitos que possuem como qualquer cidadão no país.

Os indígenas tiveram suas populações quase dizimadas pelas invasões estrangeiras nos tempos da colonização e foram forçados a aceitar costumes e crenças que não eram suas; os negros, escravos dos grandes latifundiários e produtores locais, foram extremamente explorados durante o período da escravatura; os sem-terra, movimento de roupagem mais recente, representa a parcela dos mais desfavorecidos sócio-economicamente que lutam pela reforma agrária, vítimas do desenfreado crescimento e exploração capitalista que se instalou no Brasil e provocou grandes desigualdades.

Essas considerações são aqui relatadas porque são necessárias para compreensão de que antes de lutar pelo acesso à saúde (e seus serviços), essas populações em situação de exclusão lutam por um reconhecimento social e pela manutenção de uma identidade que guarda as particularidades desses grupos. É dessa premissa e invocando os princípios do SUS de universalidade e equidade que fica evidente a necessidade de aplicar políticas específicas para contemplá-los.

Alguns chegam a afirmar que formular políticas específicas, ao invés de aproximar os grupos em situação de exclusão do seio social, culmina com o seu afastamento, dada as especificidades da causa, do respeito às crenças e valores que não são universalizantes, da priorização de um ou outro grupamento em detrimento do todo e da perda de sua identidade cultural com a inclusão de adeptos que fogem aos padrões étnicos de cada causa (caso dos indígenas especialmente). Relatos e observações apontam o desvirtuamento de algumas das propostas e ideologias dos grupos. Isso acontece e toma corpo quando, por exemplo, pessoas invadem o movimento dos sem-terra na tentativa de usufruir dos possíveis benefícios da luta pela terra (como a concessão de posse e uso da terra); outros, chegam a negar origens e se declaram de uma etnia que não é a sua para ter acesso privilegiado a alguns bens e serviços, como acesso a educação superior por cotas, por exemplo.

Situações semelhantes às descritas anteriormente, têm provocado o “inchaço” indiscriminado dos grupos e a inserção ideologias que desvirtuam o movimento e pensamento das populações excluídas. Mancham suas bandeiras de luta e terminam por causar um rompimento da unidade ideológica, com formação de “movimentos organizados” dissidentes, lucrando e especulando sob a legitimidade dos movimentos que os originaram e alimentando o preconceito social.

Entretanto, há que se considerar que independente de possíveis desvirtuamentos ideológicos e de como os grupos hoje estão constituídos, há de comum a concentração de um patamar sócio-econômico muito aquém da sociedade em geral, necessitando tratamentos e olhares diferenciados, olhares equânime e empáticos.

As populações excluídas, além de exigirem uma atenção diferenciada em função de sua cultura e seus costumes, fazem com que os órgãos gestores da saúde, nos respectivos locais, estejam a todo o momento repensado as práticas, políticas e serviços que deverão ser oferecidos, pois aí existem grupos dinâmicos. Não são estáticos, não pararam no tempo, sobreviveram até os dias atuais e, portanto, também evoluem na suas necessidades, sobretudo as de saúde. Equidade para esses povos, então, não deve ser significar igualdade e sim a priorização de grupos em situação de exclusão.

Atualmente, os grupos ditos excluídos estão sendo contemplados nas políticas públicas nacionais. Na saúde, em particular, algumas políticas já estão sendo construídas levando-se em consideração os critérios de equidade para sua conformação, fato que se evidencia quando são criadas políticas de atenção e serviços exclusivos para essas comunidades, como por exemplo, a construção de serviços de saúde em zonas de assentamento, a manutenção da FUNASA para os indígenas, o mapeamento dos quilombos existentes para direcionamento de serviços, entre outras ações e atividades.

Dessa forma, na medida em que as políticas de saúde ainda não aplicadas uniformemente e tampouco são homogêneas, há que se fomentar e manter atitudes de saúde pública específicas para essas comunidades, sempre procurando preservar as características sócio-culturais e costumes de seus antecedentes.

As gestões municipais e estaduais têm a possibilidade de determinar dentro de suas prioridades a atenção a esses povos, com direcionamento de recursos e instalação de serviços nas localidades em que existem ou estão instalados. Vale lembrar que apesar de alguns desses movimentos serem efêmeros, outros são perenes, e independente do seu tempo de existência ou da forma como se construíram, eles repercutem diretamente nos índices de saúde locais e impactarão negativamente caso nenhuma ação seja empreendida.

Curiosidades:

- Acampamentos são moradas provisórias para futuros assentados. São improvisados em beiras de estradas e não recebem nenhum tipo de beneficio do governo para investimentos na produção.

- Assentamentos podem ser considerados pequenas propriedades, dando liberdade para os assentados aproveitarem os investimentos do governo, individualmente ou sobre a forma de cooperativas.

- Quilombolas são os grupos étnicos-raciais, segundo critérios de auto-atribuição com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com resistência à opressão histórica sofrida. Decreto 4.887, de 2003.

- Das 16 mil famílias quilombolas já localizadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), 6,9 mil estão recebendo o Bolsa Família, sendo o programa social de maior cobertura entre as comunidades remanescentes de quilombos. Das 2,1 mil famílias quilombolas pesquisadas, 87,4 % receberam visitas do Agente Comunitário de Saúde (ACS) em casa; 84,6 % receberam a vista do agente mensalmente e 78,5 % receberam cobertura mensal do Programa Saúde da Família.

- Dados do Incra informam que existem 6.044 assentamentos no país, distribuídos em 1.857 municípios, com capacidade para cerca de 760 mil famílias. Os acampamentos informados pelo Contag somam 419, com cerca de 43 mil famílias, distribuídas em 297 municípios. Nos acampamentos do MST, estão cerca de 87 mil famílias. As comunidades remanescentes de quilombos são 743, distribuídas em 315 municípios, ocupando cerca de 30 milhões de hectares e com população estimada de dois milhões de pessoas.



* Wagner Alves é enfermeiro

segunda-feira, 14 de abril de 2008

PSF e o modelo de atenção tecnoassitencial: é possível consolidar mudanças?

Wagner Alves


As discussões em torno de como se dá e é operado o trabalho em saúde nas suas diversas instâncias tem sido tema de debate ao longo da história, causando movimentos que possibilitaram os avanços no campo da saúde. Ao longo dessa história, observa-se que a forma de fazer a saúde em geral, sempre esteve atrelada ao contexto histórico, social e político da época vivenciada, o que permitiu o surgimento de grupos hegemônicos nesse cenário, vinculados a uma perspectiva mercantilista de produzir o cuidado em saúde.

A incorporação e intensificação do uso de tecnologias no processo de trabalho de saúde, especificamente pelos trabalhadores de saúde ao longo das últimas décadas, além de fortalecer a perspectiva capitalista de exploração da saúde como um mercado, inclinou ainda mais as práticas do cuidado em saúde e agudizou o distanciamento do profissional com o usuário dos serviços, tornando mais frias as relações profissionais-usuários, contribuindo para elevar ainda mais a angústia daquele que necessita de algum cuidado em saúde.

Túlio Franco e Emerson Merhy, em alguns dos seus textos, discutem o modelo tecnoassistencial de saúde do Brasil e tratam das contradições existentes na tentativa de mudar um modelo médico-assitencial hegemônico, voltado a perspectivas de mercado e tendo como figura central o médico e sua produtividade ambulatorial. Deixa claro em algumas passagens que as discussões em torno da necessidade de mudar o processo de trabalho não ganham força porque não são incluídos os protagonistas dessa cena, os trabalhadores de saúde, aqueles que possuem contato direto com os usuários e que tem o poder de fazer mudar ou manter a forma com a qual se trabalha com saúde no país. Atualmente, a incorporação das ditas tecnologias no processo de trabalho, que Túlio Franco e Emerson Mehry vem a chamar de tecnologias duras e leve-duras, tem onerado os caixas públicos uma vez que as ações dos profissionais passam a depender diretamente dessas “máquinas”: se não existe capacidade instalada de tecnologia duras e leve-duras nos serviços, não existe atenção à saúde. Essa é uma situação que reduz o escopo de atuação dos profissionais, diminui as possibilidades de resolução das pendências de saúde para com uma comunidade e corrompe o sistema de saúde.

A manutenção desse panorama reside na forma como são concebidas as políticas públicas de saúde no Brasil e da resistência dos profissionais em atuar de forma mais acolhedora e humanizada em seus serviços. Chega a ser até paradoxal a construção dessas políticas públicas e a forma como são interpretadas e executadas nas diversas regiões. E isso acontece com mais vigor na estratégia de saúde da família, pois não há um convencimento dos atores que compõem as equipes para aquilo que realmente a estratégia se predispõe: garantir o acesso à saúde com intervenções mais específicas e pontuais, sob territórios conhecidos pelos trabalhadores, em parceria com a comunidade local e assim, tentar consolidar a estratégia como modificadora do modelo de atenção à saúde médico-centrado para usuário-centrado.

Conforme afirmado anteriormente, a inserção de profissionais não sensibilizados ao objetivo de mudança a que se propõe a estratégia, termina por repetir as práticas, sem alteração de realidades. Isso remonta à formação desses profissionais nas academias que desde o início já incorporam idéias de mercado sem compromisso social.

A perspectiva ambulatorial de produção (realização de maior número de procedimentos e atendimentos) e a dureza dos instrumentos para atingir metas e números vão exatamente à contramão do processo que está tentando se trabalhar. Da forma como é concebida a proposta do PSF, ela permite que os trabalhadores de saúde executem nos seus espaços um autogoverno. Esse poder necessariamente refletirá a forma de trabalho que os profissionais julgam ser a melhor para uma população em um espaço específico sem deixar de ser conveniente aos interesses e particularidades desse grupo, principalmente aos interesses de aspecto financeiros e de carga de trabalho. Assim, o processo de trabalho, longe de constituir uma homogeneidade dentro de um mesmo sistema de saúde, vai sendo organizado e executado sob influências dos valores pessoais, das subjetividades e dos objetivos e compromissos desses trabalhadores com os usuários.

É exatamente nesse ponto que se concentra a possibilidade de interferir e apoiar o processo de trabalho para mudança de práticas. Quando se trata de necessidade de provocar atitudes para mudar o modelo de atenção, significa pensar uma nova forma de agir em saúde, na perspectiva mais ampliada de seu conceito. Não devem apenas ser considerados aspectos técnicos e setorizados, mas a necessidade de interagir com o consumidor do trabalho em saúde (que é o usuário e o próprio trabalhador) e integralizar ações de outros setores como o econômico, o social, o científico, que impactam diretamente na avaliação de saúde de uma dada população.

A mudança do modelo de atenção tecnoassistencial transcende aspectos administrativos, de definição de políticas e prioridades ou de adoção de práticas e/ou modelos alternativos. Não existirá nunca a melhor proposta ou modelo, pois, os atores sociais, guardando todas as suas singularidades, defenderão sempre projetos distintos uns dos outros, alguns até antagônicos, mas um deles deverá prevalecer sob pena de não se sistematizar nada dos serviços e também de nada se produzir na saúde. Compreende-se então que nesse universo de diversidades, o consenso sobre um mínimo para organizar o trabalho em saúde está caracterizado justamente na estratégia de saúde da família, como proposta de tentar unificar alguns desses distintos pensamentos.

Assim, a proposta do PSF deve ser discutida e apoiada até que surjam alternativas de maior consistência para melhorar o processo de trabalho em saúde. Quando uma consciência coletiva for difundida, principalmente naquelas pessoas que são as produtoras do cuidado em saúde, as práticas mudarão e uma nova perspectiva de atenção às carências será ofertada a toda população.


Wagner Alves é Enfermeiro