quinta-feira, 8 de maio de 2008

Vai um gole aí?

Wagner Alves

Ligo a televisão e fico impressionado com a capacidade de criação dos comerciais de cerveja e de outras bebidas alcoólicas. São tão convincentes e persuasivas que você termina por querer provar ou tomar aquela dose a mais, vai que ela desce redonda, não é? Variedade, então, é um detalhe que já nem conta. São tantas opções, marcas e preços diferenciados, compatíveis com seu paladar ou com sua condição financeira e social. Bebe-se do melhor whisky até a velha pitú.

Mas, parece que esses dias de glória estão próximos de um fim, a depender do Ministro da Saúde Temporão e outros parlamentares que apóiam um projeto que proíbe a veiculação de comerciais de bebidas alcoólicas das 6 às 21 horas. A idéia é tentar repetir os bons resultados obtidos com a campanha nacional de restrição ao tabaco imposta pelo governo brasileiro e associar ações com experiência vitoriosas em outros países. Dessa forma, ganha o governo, ganha a saúde e segurança pública, ganha a sociedade em geral, mas perdem as emissoras de televisão, perdem os políticos e é aí que se deflagram os conflitos e vem à tona o jogo de interesses em detrimento de um bem social maior.

Durante essa semana o lobby da propaganda de bebidas alcoólicas prevaleceu e o governo retirou da pauta de votação do plenário da Câmara o referido projeto de lei. Líderes de oposição e de base governista pressionaram o presidente da Câmara Arlindo Chináglia e algun, como o deputado Henrique Eduardo Alves (RN), cuja família é proprietária de TV, chegou a ameaçou votar contra o projeto, se ele não fosse retirado da pauta.

Aqui pelos lados da Bahia e também incomodado com a possibilidade de aprovação do projeto em questão, o líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), também de família dona da Rede Bahia de televisão, também insistiu para a retirada do projeto da pauta, fato que terminou por acontecer.

Também, não é por menos tanta dedicação à causa. Conforme a Agencia Estado noticiou em seu site, informações de representantes de empresas de TV que pressionavam na Câmara para a retirada do projeto de votação dão conta de que a publicidade de cervejas representa 30% das receitas das emissoras e com certeza, ninguém vai querer perder essa fatia do bolo. Pelo outro lado, nossa sociedade segue convivendo com a violência proporcionada pelos abusos do uso de álcool, com o crescente número de acidentes em nossas rodovias também pelo uso álcool, com altos índices de mortalidade por trauma decorrentes de acidentes automobilísticos, influência também desse mesmo álcool.

É interessante observar que os avanços legislativos, ao invés de refletir a vontade do povo e a necessidade da sociedade, são manipulados e direcionados para atender interesses particulares. Não vemos esse grau de mobilidade de nossos parlamentares para discutir questões como reforma política, agrária, tributária, pesquisa com células-tronco, ente tantas outras pautas. Mas, quando se trata de facilitar ou emperrar empreitas que geram lucros ou ônus nos seus investimentos e patrimônios, eis que nossos representantes mostram-se verdadeiros leões e poderosos articuladores.

Não sou utópico. Tenho plena convicção que apenas reprimindo os comerciais de TV o governo não conseguirá causar o impacto desejado no controle do uso de álcool, mas alguma coisa precisa ser feita, caso contrário, as manchetes contrastantes continuarão sendo destaque dos meios de comunicação: de um lado boas risadas e um humor incomensurável dos comerciais de bebidas super-criativos; do outro lado, tragédias, mortes e sofrimento de familiares e amigos vítimas do uso do álcool.

Vou fazendo minha parte, discutindo e esperando que nossos representantes políticos legislem dissociados de seus projetos particulares e coloquem na roda questões de pertinência para a sociedade. Tenho certeza que o uso indiscriminado do álcool e a forma como sua veiculação se dá na mída configura uma dessas pautas de importância e que precisa ser tratada e discutida antes que se torne um problema de saúde pública.

Enquanto isso, (bebendo uma cervejinha) e como todo brasileiro e bom baiano, sigo oscilando: ora sorrindo, ora chorando.


Wagner Alves é enfermeiro