segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Check-up faz mal ao SUS

Meses de dezembro a março: esse é o grande período de concentração de pessoas em consultórios e clínicas de saúde. As pessoas aproveitam o seu tempo livre nas férias para realizar o que chamam de check-up, terminologia americana que fora utilizada nos anos 50 num dos programas espaciais ianque, em que os astronautas tinham de se submeter a uma bateria de exames para evitar complicações durante o lançamento e na sua estadia fora dos confins do nosso planeta.

Nos anos 80, a idéia dos check-ups ganha força através do lobby realizado pelas empresas da saúde. Vislumbraram na época a grande oportunidade de fazer mercado com a necessidade de saúde da população e passaram a trabalhar então sob duas frentes: no desenvolvimento de tecnologias diagnósticas cada vez mais especializadas e menos agressivas e invasivas, e do outro lado, a difundir a necessidade de realização de exames periodicamente, como estratégia de prevenção e promoção da saúde, sobretudo na classe médica e nos serviços privados de saúde.

Como aqui no Brasil pouco se cria e muito se copia, e some a isso o encantamento da população às tendências dos grandes centros mundiais, nosso país não poderia ficar de fora dessa onda mercantilista da saúde no cenário mundial. Eis que os nossos compraram e também difundiram a idéia da realização dos check-ups como uma das estratégias mais interessantes para realizar prevenção em saúde, claramente uma visão do modelo médico privatista.

Os brasileiros, indepente da sua classe social e da acessibilidade que possuem a bens e serviços, passam a frequentar clínicas e unidades de saúde direcionando e até exigindo dos profissionais a bateria de exames que dá corpo aos check-ups. Algumas pessoas passaram inclusive a rotular negativamente profissionais médicos que, ao final da consulta, não lhes forneciam as tão desejadas "guias para realização de exames".

Fala-se até em check-ups básicos, completos e até personalizados.

Para uns, mais abastados e com disponibilidade de planos de saúde de boas coberturas, a realização dos exames flui de forma simples e provavelmente sanará as duvidas até então instaladas quanto ao atual quadro de saúde desses indivíduos. Porém, para outros, que representam a maior parcela da população e não possuem recursos e acesso a serviços com tecnoligias de ponta, terminam por cobrar do Sistema Único de Saúde uma resposta semelhante a vivida nos serviços privados, posturas totalmente avessas à logica do sistema e a forma como ele é pensado, gerido e executado.

Os prórpios profissionais, por vezes descontentes com a falta de suporte e de capacidade instalada para execução de suas atividades, por vezes boicotam o sistema incluindo a lógica dos check-ups numa rede em que se preconiza a adscrição de clientela, conhecimento do território e atuação in loco, correspondente às necessidades de saúde conforme elas se apresentam. Isso está muito claro e bem formatado nos objetivos do programa de saúde da família, por exemplo. O grande equívoco é a população continuar sem entender como essa rede funciona e manter profissionais que alimentam uma lógica organizacional paralela e concorrente aos princípios do SUS.

Dessa forma, o SUS de qualque lugar não consegue dar conta às demandas. São desferidas solicitações de exames indiscriminadamente, tudo porque "usuário satisfeito é aquele que sai com sual solicitação de exame nas mãos". Para queixas de dores de cabeça, tomografias, dores na coluna, ressonâncias, queixas de dores articulares, raios-x, dores estomacais, endoscopias e quanto mais complexo o procedimento, melhor. Por vezes, medidas sanitárias e de educação em saúde são suficientes e mais direcionadas para resolução de problemas dos indivíduos de várias comunidades, mas...

É duro ver pessoas carentes terem que se expor e até se humilhar, procurando meios os mais diversos possíveis para realização de exames e procedimentos que atendem à lógica dos check-ups, mas não levam em conta o social e as prioridades dos indivíduos e de uma população.
Por isso que um dos princípios do SUS é a equidade e é realmente necessário tratar de forma desigual os desiguais, direcionando mais atenção e suporte para aqueles que têm mais necessidades.

Tenho a convicção de que fazer check-up é ótimo. A possibilidade de se monitorar ou de descobrir alguma patologia ainda em estágio inicial traz alento e conforto àqueles que têm essa possibilidade. Mas, também tenho a certeza que essa é uma linha de pensamento que vai de encontro às prerrogativas do SUS e não traz possibilidade de acesso a todos.

Sob pena de não ver seus programas sucumbirem diante dessa lógica de mercado, aqueles que fazem o Sistema Único de Saúde precisam oferecer serviços mais qualificados aos seus usuários, necessita que estes acreditem no potencial de suas ações e que invistam nos profissionais, para ao inves de serem concorrentes, serem parceiros dessa proposta. Caso contrário, prevalecerá a lógica do mercado, prevalecerá a lógica dos check-ups nos serviços públicos de saúde e constituirá sempre uma grande barreira a consolidação do SUS.

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