quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Saúde, ciência e tecnologia: possibilidade de avanços e geração de conflitos

Como leitor do blog Roda de Ciência, vou tentar contribuir com algumas discussões sobre o tema selecionado do mês, a relação entre Ciência e Tecnologia, associando algumas considerações a elementos do trabalho na área da saúde.

A área da saúde atualmente deve muito aos avanços científicos e tecnológicos acumulados ao longo dos tempos, conhecimentos, tecnologias e experimentações científicas que contribuíram de forma significativa na melhor condução de casos clínicos, na ampliação do potencial diagnóstico de patologias, na melhoria da qualidade de vida das populações, na diminuição dos índices e taxas de morbi-mortalidade de agravos, na ampliação da expectativa de vida das pessoas e na possibilidade das pessoas acessarem bens e serviços de saúde estruturados de todo esse aparato tecno-científico, capazes de oferecer respostas a demandas que lhes são cotidianamente apresentadas, dentre tantas outras contribuições.

Na saúde, os desenvolvimentos em ciência e tecnologia configuram um grande processo, algo dinâmico, em constante evolução e que ainda busca respostas para o enfretamento de situações ainda obscuras, como, por exemplo, a cura da aids e de tantas outras patologias virais ainda sem tratamentos específicos, doenças degenerativas novas aos olhares dos pesquisadores e profissionais de saúde, a possibilidade da descoberta de novos fármacos e insumos no suporte terapêutico dos pacientes, e por aí vai.

É inegável o reconhecimento de que as práticas em saúde modificaram-se ao longo dos tempos, quase que na mesma velocidade em que foram sendo feitas descobertas científicas e que as tecnologias foram criadas e incorporadas. Já pensaram na possibilidade de não existir atualmente o raio-x ou os exames laboratoriais para confirmações diagnósticas? Será que apenas as práticas clínicas e experiências dos profissionais seriam suficientes para garantir a evolução no cenário da saúde, ou, estaríamos nós, ainda hoje, realizando atividades arcaicas que remontam aos tempos de Hipócrates, como sangrias ou outras práticas tidas como brutais aos olhos atuais?

Nesse cenário, a incorporação de tecnologias tornou mais fácil o manejo clínico dos pacientes pela fidedignidade com que as informações passaram a ser mensuradas e oferecidas. Tecnologias como a tomografia computadorizada, a ressonância magnética, a genotipagem, a ultrassonografia, a medicina nuclear, os ecocardigramas, a automatização laboratorial e o próprio advento do computador (softwares e internet), trouxeram grandes certezas num mar de inseguranças, ofereceram parâmetros para as práticas dos profissionais e melhoram significativamente a assistência direta feita ao paciente ou usuário desses bens e serviços.

Porém, nem tudo é um mar de rosas nesse glorioso cenário de evoluções e avanços na saúde. A incorporação de novas ciências e tecnologias tem causado também sérios prejuízos e motivado grandes embates na área da saúde.

A incorporação de tecnologias nos processos de trabalho das equipes de saúde tem colaborado para o afastamento do contato do profissional com o usuário dos serviços e condicionado suas práticas à existência desses insumos tecnológicos. Um modelo que vai à contramão do que se preconiza atualmente, que tenta resgatar a vinculação dos usuários aos profissionais e serviços, estabelecendo uma relação de confiança que já se encontra abalada nos dias atuais. Alguns profissionais então, não dispensam a prescrição e solicitação de exames e procedimentos caros e extremamente especializados, as dita tecnologias duras (segundo os pensadores Emerson Merhy e Túlio Franco) o pondo a maior parcela da população à margem e nervosos pelas suas condições sócio-econômicas que inviabilizam a possibilidade de acessarem os bens e serviços. Outros profissionais, já tão bitolados aos seus “equivocados” processos de trabalho, dispensam o conhecimento e o potencial da clínica e já partem direto para a etapas que deveriam ser finalísticas, como solicitar uma tomografia para uma simples queixa de dor de cabeça ou de expor repetidamente o paciente a radiação do raio-x quando o mesmo queixa de dores lombares, por exemplo?

Vale perceber que as tentativas de incorporar tecnologias junto às comunidades têm levado as grandes empresas, indústrias e grupos comerciais a tentar driblar os olhares mais atentos e críticos das pessoas que também se dedicam a estudar e colaborar com o ramo da ciência e da fabricação de novos instrumentos e tecnologias. Ainda que esses insumos, bens ou serviços não sejam os mais adequados a serem utilizados em situações específicas, o seu uso e consumo é estimulado de forma descompromissada e numa perspectiva puramente mercadológica. Esse fato é bem exemplificado pelas indústrias farmacêuticas que tentam vender seus insumos e tecnologias diretamente ao consumidor final, sem a avaliação ou ponderação de profissionais quanto ao seu uso.

Outro cenário conflitante, também fruto da incorporação dos acúmulos científicos e tecnológicos diz respeito às questões ético-legais tão no cerne das discussões globais do momento, trazendo como carro-chefe as pesquisas com células embrionárias, células-tronco. Discute-se até onde vai o limite humano na manipulação de vidas para salvar outras vidas, da configuração ou não crimes de aborto e da forma não ética com que essas pesquisas podem ser usadas para discriminar seres “geneticamente perfeitos” dos ditos “imperfeitos”.
Com certeza, motivados pelo grande avanço das pesquisas científicas e do suporte do aparato tecnológico, essas serão temáticas que ainda demandarão grandes discussões nas comunidades mundo afora.

Torna-se claro que apesar da relação entre a ciência e a tecnologia trazerem benefícios significativos para população em geral, sobretudo na área de saúde para trabalhadores e usuários dos bens e serviços, essa relação também traz a tona situações conflitantes e melindrosas para esse mesmo cenário. A prudência nesse campo de relação figura como um dos elementos mais importantes para garantir relações pacíficas entre os seus constituintes e para que a incorporação dos seus resultados e avanços sejam implementados em bases mais sólidas, sob o crivo e crítica da comunidade a quem se destinam.

Um comentário:

Maria Guimarães disse...

boa participação!
seu texto na verdade chama atenção (a minha, pelo menos!) para o paralelo médico do que tem me preocupado.
já ouvi mais de um médico se queixar que é prática cada vez mais comum pedir uma série de exames caros que não necessariamente são os mais adequados para o diagnóstico em questão.
e os tais exames tornam-se a moeda corrente. pacientes saem de um consultório, mesmo depois de uma anamnese cuidadosa, se queixando "esse médico é uma porcaria, não pediu nenhum exame..."